Ilustração feita pelo Luiz Rafael da Caricômicos,
um parceiro indicado por este Blog.
Beto sempre fora metódico. Fazia tudo de forma bem pensada, para que nada fugisse ao seu controle; tudo tinha de funcionar perfeitamente.
Só não, digamos, “funcionava direito” na presença de Ana Lúcia. Invariavelmente as pernas lhe faltavam e a lógica de seus pensamentos iam por água abaixo.
Nesses momentos a timidez falava mais alto e uma poderosa barreira o impedia de falar com ela, declarar-lhe todo o amor preso em seu coração.
Isso acontecia desde a adolescência, quando ela entrou pela primeira vez naquela sala de aulas e tornou-se mais uma colega de classe. Mais uma? Fala sério, era muito mais que isso.
Ela era a nora que a mãe dele sempre quis, mesmo sem saber.
Os anos se passaram, a paixão platônica ficou e ambos continuavam solteiros, o que era um alento para Beto... quem sabe um dia?
Ana Lúcia mudou-se de São Paulo para o Rio de Janeiro. Trocara a Lapa paulistana pela carioca.
Mesmo a distância não amainou o amor no coração de Beto. O problema é que a timidez também permaneceu forte. A distância apenas piorara o contato - como falar com ela?
Certa tarde ele recebe uma chamada pelo Skype e... falta-lhe o ar. Era Ana Lúcia chamando para uma conversa com vídeo.
Tremendo, ele clicou no ícone e aceitou a chamada.
Logo aparece aquele rostinho angelical na tela, mas um tanto triste.
- Beto, apenas ouça. Não diga nada, por favor. – Disse ela em tom preocupado.
- Amo você praticamente desde a primeira vez que o vi, lá atrás naquela sala de aulas, mas minha timidez nunca me permitiu falar algo a você.
E continuou:
- Meu maior desejo era que você também me amasse como o amo, que ficássemos juntos para sempre. Pena eu não ter tido a certeza de ser correspondida, afinal você nunca se abriu comigo.
- Beto, estou falando isso agora porque não quero casar-me com este peso na consciência. Tinha de declarar meu amor a você e, se por acaso você me amar, venha para cá e me impeça de casar-me. Apenas sua presença bastará. Não precisaremos falar nada um ao outro.
- Se você não vier, entenderei e parto para a Lua de Mel no Caribe e, de lá, já mudo para a França, onde morarei.
- Eu me caso às 20 horas na Igreja Nossa Senhora do Desterro, aqui na Lapa.
Declarou tudo isso e desligou, deixando um atônico Beto sem saber o que fazer.
O coitado não sabia se o mundo desabara ou se abrira uma enorme porta para a felicidade.
... nem vou precisar dizer nada? Basta aparecer? Pensou Beto já tomando a decisão.
Olhou no relógio: 16 horas. Se corresse, pegaria o voo das 17 ou 17h30 para o Rio e chegaria em frente a Ana Lúcia bem antes das 20 horas.
Era a última chance de ele ser feliz com a mulher que amava e não a perderia por nada. Pegou uma mochila, jogou lá dentro algumas coisas básicas e correu para o aeroporto.
Conseguiu um lugar no voo das 17 horas mas, ao passar para a área do portões o escâner acusou a presença de um canivete na bolsa. Não poderia embarcar com aquilo e a sugestão dada foi o descarte.
Não poderia descartá-lo. Fora presente de Ana Lúcia há vários anos e não largava dele.
Saiu em disparada, deixou o canivete no guarda-volumes e voltou correndo para não perder o voo.
Passou como um foguete e foi o último a entrar a bordo e, cansado, sentou-se na primeira poltrona vazia que encontrou.
O avião demorou um pouco a mais para sair, mas isso não o incomodou. Havia tempo de sobra até as 20 horas.
Finalmente o avião partiu e ele, procurando relaxar, nem ouviu as palavras do comandante que explicava o por quê da demora e outros detalhes acerca da viagem.
Mas, no final, quando o comandante disse o tempo estimado de voo, ele ficou intrigado.
Chamou a comissária de bordo e perguntou:
- Duas horas de voo não é muito tempo? Normalmente leva uns 40 minutos.
- Desculpe-me senhor - disse uma educada comissária - mas o tempo de voo para Cuiabá é cerca de duas horas mesmo.
- Ah sim, respondeu Beto. Para Cuiabá é este mes.............CUIABÁ??????????????????
Um comentário:
Como a brincadeira é ser inesperado no final do conto, já vou imaginando várias coisas no meio dele. Juro que assim que li que ela chamou ele no skype e estava meio tristonha, pensei: Ela é lésbica! HAHAHA Mas o conto foi muito bom! É de se esperar que algo assim acontecesse, se conseguisse chegar a tempo, seria sorte demais e aí seria tipo novela da Glória Perez! hahaha Parabéns Carlos!
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