quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Saudade de um velho amigo


Nos áureos tempos, antes que a rodovia dominasse os modais de transporte Brasil afora, recorríamos aos velhos trens para as viagens, especialmente as de longa distância - que eram comuns, afinal, uma ida de Jacareí a São Paulo levava horas.

Este saudosismo veio à tona por ter acabado de ler um livro sobre o assunto: Nos Trilhos da História”, de José Carlos Daltozo. Um livro comemorativo aos 90 anos da Estrada de Ferro Sorocabana, que conta a história de como a ferrovia fez brotar vários municípios na região da alta sorocabana e, principalmente - foco do livro - José Teodoro, hoje Martinópolis.

Ler esse livro é sentir uma saudade gostosa de um bom tempo que não voltará nunca e a saudade aperta mais ainda quando ele toca naquilo em que eu vivi: os trens em Jacareí, no Vale do Paraíba.

O autor incluiu vários trechos de outros autores que falaram de trens, trilhos, bilhetes, passageiros, cargas e afins; falaram de uma época romântica em que até para ir a uma pescaria os homens vestiam terno e gravata e o chegar ou o partir de um trem era um espetáculo à parte. Dentre eles, na página 37, cita Benedicto Sérgio Lencioni, historiador, professor e ex-prefeito de Jacareí, cidade do interior paulista na qual passei maior parte de minha infância.

Lencioni fala sobre a estação ferroviária de Jacareí: “a estação está sem emoções. sem o alarido das vozes, sem chegadas ou partidas de trens e viajantes. Sem o riso dos que chegavam e o choro dos que partiam. Não se vendem os famosos biscoitos nem anda mais na plataforma ou percorre os vagões o jornaleiro apregoando as manchetes do dia”. Como não lembrar do trem passando, cortando a cidade, dos biscoitos da Fábrica de Biscoutos de Jacareí.

O caso dos biscoitos merece uma nota: no livro original de Lencioni, não há a palavra “famosos” que, creio, foi incorporada por Daltozo em seu livro já que eram realmente famosos e sucesso em todo o Vale, com as latinhas azuis sendo também vendidas à beira da Rodovia Dutra. Todavia, hoje, infelizmente, a fábrica de outrora está transformada em uma padaria, mas que ainda faz biscoitos.

Como esquecer da reluzente Litorina, que passava rápido fazendo sua viagem São Paulo - Rio e vice-versa, sem escalas? Era um só vagão que não parava para os acenos. Como esquecer dos trens de carga que passavam pesados, com seu barulho ritmado levando de tudo e mais um pouco? E os vagões de passageiros que traziam e levavam nossos entes queridos? Não dá para esquecer, é algo totalmente diferente que se for comparado com as estações rodoviárias, as transformam em algo frio, sem emoção.

Bom ler um livro desses que nos trazem muitas e gostosas recordações. Quem teve o privilégio de viajar de trem, mesmo com as demoras - a última vez que fui de trem de Santos a São Paulo, em 1973 ou 1974, a viagem levou cerca de quatro horas - sabe do que está se falando aqui.

Bons e românticos tempos que, parece, não voltam mais, já que o Brasil transformou-se em uma imensa rodovia.

Carlos Freire