quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Ninguém perde a grande chance

clip_image002Ilustração feita pelo Luiz Rafael da Caricômicos,

um parceiro indicado por este Blog.

Beto sempre fora metódico. Fazia tudo de forma bem pensada, para que nada fugisse ao seu controle; tudo tinha de funcionar perfeitamente.

Só não, digamos, “funcionava direito” na presença de Ana Lúcia. Invariavelmente as pernas lhe faltavam e a lógica de seus pensamentos iam por água abaixo.

Nesses momentos a timidez falava mais alto e uma poderosa barreira o impedia de falar com ela, declarar-lhe todo o amor preso em seu coração.

Isso acontecia desde a adolescência, quando ela entrou pela primeira vez naquela sala de aulas e tornou-se mais uma colega de classe. Mais uma? Fala sério, era muito mais que isso.

Ela era a nora que a mãe dele sempre quis, mesmo sem saber.

Os anos se passaram, a paixão platônica ficou e ambos continuavam solteiros, o que era um alento para Beto... quem sabe um dia?

Ana Lúcia mudou-se de São Paulo para o Rio de Janeiro. Trocara a Lapa paulistana pela carioca.

Mesmo a distância não amainou o amor no coração de Beto. O problema é que a timidez também permaneceu forte. A distância apenas piorara o contato - como falar com ela?

Certa tarde ele recebe uma chamada pelo Skype e... falta-lhe o ar. Era Ana Lúcia chamando para uma conversa com vídeo.

Tremendo, ele clicou no ícone e aceitou a chamada.

Logo aparece aquele rostinho angelical na tela, mas um tanto triste.

- Beto, apenas ouça. Não diga nada, por favor. – Disse ela em tom preocupado.

- Amo você praticamente desde a primeira vez que o vi, lá atrás naquela sala de aulas, mas minha timidez nunca me permitiu falar algo a você.

E continuou:

- Meu maior desejo era que você também me amasse como o amo, que ficássemos juntos para sempre. Pena eu não ter tido a certeza de ser correspondida, afinal você nunca se abriu comigo.

- Beto, estou falando isso agora porque não quero casar-me com este peso na consciência. Tinha de declarar meu amor a você e, se por acaso você me amar, venha para cá e me impeça de casar-me. Apenas sua presença bastará. Não precisaremos falar nada um ao outro.

- Se você não vier, entenderei e parto para a Lua de Mel no Caribe e, de lá, já mudo para a França, onde morarei.

- Eu me caso às 20 horas na Igreja Nossa Senhora do Desterro, aqui na Lapa.

Declarou tudo isso e desligou, deixando um atônico Beto sem saber o que fazer.

O coitado não sabia se o mundo desabara ou se abrira uma enorme porta para a felicidade.

... nem vou precisar dizer nada? Basta aparecer? Pensou Beto já tomando a decisão.

Olhou no relógio: 16 horas. Se corresse, pegaria o voo das 17 ou 17h30 para o Rio e chegaria em frente a Ana Lúcia bem antes das 20 horas.

Era a última chance de ele ser feliz com a mulher que amava e não a perderia por nada. Pegou uma mochila, jogou lá dentro algumas coisas básicas e correu para o aeroporto.

Conseguiu um lugar no voo das 17 horas mas, ao passar para a área do portões o escâner acusou a presença de um canivete na bolsa. Não poderia embarcar com aquilo e a sugestão dada foi o descarte.

Não poderia descartá-lo. Fora presente de Ana Lúcia há vários anos e não largava dele.

Saiu em disparada, deixou o canivete no guarda-volumes e voltou correndo para não perder o voo.

Passou como um foguete e foi o último a entrar a bordo e, cansado, sentou-se na primeira poltrona vazia que encontrou.

O avião demorou um pouco a mais para sair, mas isso não o incomodou. Havia tempo de sobra até as 20 horas.

Finalmente o avião partiu e ele, procurando relaxar, nem ouviu as palavras do comandante que explicava o por quê da demora e outros detalhes acerca da viagem.

Mas, no final, quando o comandante disse o tempo estimado de voo, ele ficou intrigado.

Chamou a comissária de bordo e perguntou:

- Duas horas de voo não é muito tempo? Normalmente leva uns 40 minutos.

- Desculpe-me senhor - disse uma educada comissária - mas o tempo de voo para Cuiabá é cerca de duas horas mesmo.

- Ah sim, respondeu Beto. Para Cuiabá é este mes.............CUIABÁ??????????????????

Um comentário:

Anônimo disse...

Como a brincadeira é ser inesperado no final do conto, já vou imaginando várias coisas no meio dele. Juro que assim que li que ela chamou ele no skype e estava meio tristonha, pensei: Ela é lésbica! HAHAHA Mas o conto foi muito bom! É de se esperar que algo assim acontecesse, se conseguisse chegar a tempo, seria sorte demais e aí seria tipo novela da Glória Perez! hahaha Parabéns Carlos!