segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Mal súbito

Mal Súbito blogDe repente um mal súbito e ele se foi. Esvaiu-se a vida.

Infarto fulminante, disse o médico.

Ele, sem entender nada, ouvia tudo, mas não conseguia mexer um músculo sequer. Não conseguia se mexer, abrir os olhos, nada. Todo desforço era em vão.

Lembrou-se do filme Awake - a vida por um fio em que o protagonista recebe a anestesia para um transplante de coração e algo estranho acontece: ele sente e ouve tudo, mas o corpo permanece como se estivesse anestesiado, dormindo. Sem saber disso, os médicos vão operando-o e ele sentindo todas as dores.

Também sempre ouvira histórias extraordinárias sobre a passagem para o mundo espiritual, em que alguns, por serem muito apegados à vida, ficavam perambulando no limbo - seria o caso dele? Afinal estava morto ou não? Que sentimento era aquele?

Não! Com toda a certeza aquele não era o caso dele, ele não estava morto. Apenas precisava encontrar uma saída para fugir daquilo e voltar à sua vida normal.

Contudo, o tempo ia passando e ele cada vez mais se conscientizando do que acontecera de fato.

-- O infarto fora violento, muita dor no peito. Só posso ter morrido mesmo, mas, e agora? O que acontece? O que faço? Pensava sofrendo.

Notou a esposa e as filhas chorando. Queria pode falar que estava vivo, que as ouvia, mas todas as tentativas eram em vão. O desespero foi tomando conta dele.

Ficou sabendo sobre os preparativos, de como e onde seria o velório, a escolha do caixão, quem avisariam... e ele ali, ciente de tudo e cada vez mais desesperado.

Nada daquilo poderia estar acontecendo, pois ele estava vivo. Chamem outro médico, gritava, porém era um grito mudo, inaudível - não conseguia fazer-se ouvir.

E lá estava ele, deitado em um caixão, todo coberto de flores, uns dois mosquitinhos mais que chatos presos dentro do tule que cobria seu corpo e que insistiam em pousar em seu nariz. Não conseguia dar, nem ao menos, uma coçadinha, por mais que quisesse.

Um por um, parentes, amigos e até alguns desconhecidos baixavam-se e falavam com ele, desejando-lhe muita Luz, que Deus o abençoasse, que os antepassados o recebessem no plano espiritual, que isso e aquilo.

Só não gostou quando ouviu dois amigos cochichando sobre a “bonitona da viúva” e que queriam muito consolá-la. Como assim? Que tipo de amigo é esse?

Ah se pudesse levantar-se dali. Eles iam ver quem é que ia ficar viúva.

E o tempo foi passando, e ele ali, imóvel, querendo sair daquela situação.

Era meio ateu, mas rezou todas as rezas que conhecia, inventou outras, fez promessas. Valia acreditar em tudo para tentar sair daquele caixão antes que fosse tarde demais.

Depois da cerimônia, quando chegaram os homens da funerária, viu que o tempo dele estava acabando, dali a poucos instantes seria tarde demais para qualquer outra tentativa.

E sequer a tal da luz branca que fazia parte das histórias extraordinárias que ouvira não aparecia para buscá-lo. Bem poderia haver um “Manual da Passagem Para Leigos”, pensava, assim saberia o que fazer.

Quando vieram com a tampa para fechar o caixão, ele sabia que seria a sua última chance. Num total desespero, reuniu todas as forças que tinha e, no instante derradeiro, conseguiu.

Esticou as mãos para cima, impedindo que baixassem a tampa e, ao mesmo tempo, soltou um grito horrível que saiu lá do fundo de sua alma. Um grito sepulcral.

A esposa deu um salto com o grande susto que levara e, recuperando-se da surpresa, falou com ele:

Querido! Acorde! Você está tendo outro pesadelo!

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa, pesadelo é brincadeira hein! Acho que é pior que isso! hahahahaha
Mas vou te contar que já ouvi histórias assim verdadeiras, dá um tempo, deve ser a pior sensação do mundo, eu já morreria só de susto! hahahahahaha
Ótimo conto e ótima ilustração!
Parabéns!