terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Quero ser livre!

Quero ser livreSe ele gostava da família? Claro!

A mulher e os três filhos eram companheiros, viviam sempre juntos nas dores e nas alegrias. Havia uma cumplicidade legal por ali e todos se ajudavam.

Entretanto, estranhamente algo faltava na vida de Pedro. Tudo era alegria, mas nem tudo eram flores.

Ele sentia uma necessidade premente de ser totalmente livre, ter a vida dele só para ele.

Não, não era egoísmo, era um sentimento diferente que o atordoava dia a dia.

Queria viajar, acordar a hora que bem entendesse, sem rotinas diárias, sem levar ninguém para a escola, sem as lições de casa... queria jogar o relógio fora.

A preocupação com a família não poderia ser deixada de lado; a obrigação do sustento era dele.

Lá ficava ele, o anjinho de um lado dizendo-lhe para ficar com a família e o diabinho do outro fazendo pressão para “se mandar”, viver a vida de uma forma gostosa, sem compromissos.

Pedro tinha um bom trabalho, era otimamente remunerado e mantinha um padrão de vida excelente. Talvez fosse isso.

Como podia fazer praticamente de tudo com o salário que recebia, ele tinha poucos prazeres, pois tudo era lugar comum.

Alguns amigos que também sentiam o mesmo e haviam partido para o consumo de drogas, trocas de casais ou outras estripulias às quais ele era totalmente contra. Impossível imaginar-se fazendo este tipo de coisa - drogas? Nunca! A mulher dele com outro? Jamais!

Com resolveria a questão?

Aquele tormento já estava gerando conflitos no viver dele, tanto no trabalho quanto no lar. Tinha que dar um jeito.

Sempre pensando no futuro da família, sem ele, há alguns anos fizera um bom seguro contratado com um amigo que era corretor, com um prêmio alto o bastante para que todos vivessem tranquilamente.

Caso algo de ruim acontecesse e ele faltasse, a mulher e os filhos ficariam muito bem.

Ao receber uma ligação desse amigo, para tratarem da renovação do seguro, foi que uma luz acendeu-se em sua cabeça. Uma ideia meio maluca. O seguro!

Marcou com o amigo, renovou o seguro dando um bom aumento no valor que caberia à família caso houvesse algum sinistro.

E continuo vivendo a vida, agora com uma nova perspectiva pela frente: dar tempo ao tempo para pôr o plano mirabolante em prática.

Dois meses depois, em uma noite, descendo a Serra do Mar pela Via Anchieta - gostava de ver as luzes da Baixada Santista lá do alto, vista que a Imigrantes não fornecia com seus túneis infindáveis - a vida lhe foi ceifada violentamente.

Pelo que se soube, um caminhão abrira demais a curva para ultrapassá-lo, de forma arriscada, e lançou o carro de Pedro abismo abaixo.

Um grande estrondo, uma grande explosão (parecia filme de Hollywood)... acabou.

Tudo o que a família chorosamente conseguiu recuperar de Pedro foi um monte de uma massa calcinada daquilo que um dia fora um ser humano.

O reconhecimento só foi possível pela arcada dentária - não sobrara nada.

A família continuou bem, com o mesmo padrão de vida, e muito agradecida ao marido e pai amado que havia se preocupado com seu bem estar e providenciara tudo. Um homem prevenido que amava mesmo a família.

Acabou...

Sim, Pedro não existia mais.

Ali morreu um chefe de família para sempre idolatrado e nascia uma nova pessoa.

Nascia o Henrique, um homem livre, leve e solto.

Um desconhecido para quem Pedro também fizera um ótimo seguro há dois meses, não com o amigo, mas com um corretor lá do Nordeste, durante uma viagem a trabalho.

A pior parte para Pedro foi ter comprado o corpo de um mendigo. Mexer com aquilo não era mesmo a praia dele.

Não menos difícil foi gastar uma boa grana com um dentista para que ele mapeasse a dentadura do cadáver e fizesse um prontuário odontológico como se aquela arcada fosse de Pedro.

Coincidentemente, quando do acidente, a ficha estava na casa dele, aos cuidados da esposa, que os levaria ao dentista dela dali a dois dias, já que haviam combinado que Pedro passaria a usar o dentista da esposa.

Assim, foi fácil identificar aquele corpo no carro como sendo de Pedro.

E o Henrique?

Bem, Henrique deixou seu relógio no carro, nunca mais comprou outro e foi viver em um sítio no interior de Goiás fazendo o que queria, quando queria e como queria.

Não é que o filho da mãe se deu bem?

Moral amoral da história:

o crime não compensa, mas,

quem não arrisca, não petisca.