quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Vida no campo

Vida no campoJoaquim sempre pensou bem diferente do pai, o “Seu Pedrão”, homem das antigas, cabra bruto que sabia o que queria da vida.

Seu Pedrão mantinha crioulos em sua propriedade. Com baixo custo e grandes trabalhadores, eram ótimos especialmente na hora de manejar o gado leiteiro, a menina dos olhos do dono daquela fazenda no interior do Rio Grande do Sul.

Ele não só os tinha como também se vangloriava disso.

Contava vantagens, falando para quem quisesse, ou não, ouvir:

- Crioulo é tão bom que todos tinham que ter, ao menos, um à sua disposição.

Joaquim, rapaz mais da cidade e antenado às coisas modernas, só via problemas naquelas ideias do pai, as quais lhe eram impostas e estava fadado a ter que aceitá-las - como enfrentar o Seu Pedrão?

O jovem queria era distância daquele mundo em que ele se sentia tão escravo quanto os crioulos que, querendo ou não, trabalhavam nos sete dias da semana, sem feriados, sob chuva ou sol forte e enquanto durasse a luz do dia - por vezes, estavam na lida mesmo depois de anoitecer.

- Por que Juca? Por que você é contra termos esses crioulos aqui na fazenda. Perguntava um pai esperançoso de que suas ideias fossem aceitas.

E continuava: - eles são ótimos, são baratos e muito prestativos. Se ficam meio rebeldes, o uso do chicote faz um efeito ótimo e eles voltam a seus lugares e a serem plenamente obedientes.

Definitivamente não compartilhavam da mesma opinião.

Aquilo não era o século XVIII; estavam em pleno século XXI e o pai ainda falava em chicote!

Para Joaquim, um grande absurdo.

Buscava a cumplicidade da mãe e das duas irmãs, mas de nada adiantava. Jamais elas iriam contra o chefe da família.

Com o irmão não poderia contar de forma alguma. João tinha o mesmo pensamento do pai e, com seu próprio dinheiro, já havia comprado uns quatro e posto para trabalhar na fazenda.

É, não dava mesmo para contar com o irmão. Estava sozinho naquela empreitada.

O sonho era partir dali, ir de uma vez por todas para a cidade, abandonar a vida no campo, uma vida para a qual ele realmente não havia nascido.

Para tanto, estudou com afinco. Queria ser alguém na vida, bem longe daquilo tudo.

Iria à fazenda apenas para matar a saudade da família, mas longe de todo e qualquer tipo de trabalho no campo.

Com o tempo, o rapaz atingiu seu objetivo. Mudou-se para a cidade, ingressou na faculdade de direito e, como melhor aluno da turma, logo conseguiu um estágio muito bem remunerado.

Trabalhava e era dignamente pago por isso. Seu sustento estava garantido e já podia dispensar a ajuda da família. O que fez mais do que depressa.

Libertara-se de vez da vida no campo, mergulhando de cabeça no século XXI. Tudo o que ele queria.

Não havia mais mato, plantação, gado, chicotes para forçar o trabalho, acordar de madrugada e dormir super cedo, aquele cheiro horrível... tudo havia ficado no passado.

A vida dele era outra, bem melhor.

Mas, estranhamente a fazenda não saía da cabeça de Joaquim e era difícil conviver com aquele sentimento.

Ele sabia que havia algo naquele estilo de vida que os pais e os irmãos levavam que tinha de mudar.

Mudar aquilo, levar a modernidade ao local, uma melhoria na vida, especialmente da mãe e das irmãs era responsabilidade dele.

O problema: como enfrentar a cabeça dura do pai?

Soube, por um amigo, que iria acontecer uma feira em Passo Fundo, cidade também ao norte do estado e não muito longe da fazenda dos pais, a Agrotecnoleite estava prestes a abrir as portas para visitação.

Era uma feira que visava a melhoria da qualidade da produção de leite no estado, com tecnologia avançada e equipamentos tanto para o gado quanto para a agricultura.

Plano bolado, estratégia pronta, fez contato com o pai.

- Pai, neste final de semana estou indo para casa. Vou buscar o senhor e o João para levá-los a um lugar especial. Tenho certeza de que vão gostar. Está marcado.

Desligou sem dar tempo para reclamações ou perguntas.

No sábado, logo pela manhã, lá estava Joaquim e, como não era mais aquele menino franzino e sim um homem feito e independente, “sequestra” o pai e o irmão. Estavam meio relutantes, mas cederam.

Na feira, os olhos da dupla fazendeira brilharam como o sol e os dois ficaram maravilhados com o que viram.

Não eram contra a modernidade, apenas não tinham a cultura necessária para conhecê-la.

Quando notaram como poderia ser a vida usando tudo aquilo que existia, cederam aos desejos de Joaquim.

Joaquim via ali um novo pai e um novo irmão.

Os três analisaram e estudaram todas as possibilidades, o custo e o benefício e, como dinheiro não era problema, já que ganhavam e não gastavam, puderam adquirir tudo aquilo que seria necessário para mudar a vida na fazenda.

Novos galpões para ordenha, agora mecanizada, máquinas plantando e colhendo, a produção aumentando... tudo novo na fazenda.

Até a casa ganhou uma reforma completa e o antigo fogão à lenha virou peça de museu.

As mulheres curtiram muito os novos aparelhos: fogão, freezer, forno micro-ondas, forno elétrico, televisor que pegava vários canais e não só alguns poucos...

Seu Pedrão agora ia para cima e para baixo pilotando uma picape cabine dupla com tração nas quatro rodas.

Joaquim sentiu-se realizado. Não que, por não gostar, achasse o modo de vida da família errado. Ele sabia que eles poderiam ter uma vida melhor - exatamente esta que tinham agora - só que eles não se tocavam disso.

E quanto aos crioulos?

Ora, eles trabalham bem menos e são até mais usados para diversão, mas continuam por lá, afinal - e em especial no Rio Grande do Sul - é a raça de cavalo certa para a lida no campo.