quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O fim da solidão

SolidãoFausto morava no interior, em uma pequena cidade no Vale do Paraíba. Para os poucos habitantes, o sentido da palavra amigo possuía um peso gigantesco, haja vista que entre os amigos havia confiança, cumplicidade e invariavelmente sempre podiam contar uns com os outros.

Contudo, o jovem tinha problemas de relacionamento devido à extrema timidez. Era muito retraído e isso causava uma grande dificuldade para fazer amigos.

Praça cheia de gente, bandinha tocando no coreto, pipoca, algodão-doce, churros, balões de gás, pessoas falando ou dançando ou falando e dançando, muita diversão em qualquer festividade no pequeno município e lá estava ele, em meio daquele mar de gente e sentindo uma solidão angustiante.

Tinha inveja das pessoas que se confraternizavam.

Sofria sozinho, sem a compreensão dos pais que, ao invés de compreender, repreendiam.

Tempo de faculdade, queria ser advogado ou delegado de polícia e mudou-se para uma cidade maior. Campinas era um mundo totalmente diferente, muito maior que a pequena Jacareí.

Novos lugares, gente nova, mundo novo e a mesma e velha solidão.

Mesma? Antes fosse. Com tanta novidade ela pesava ainda mais.

As noites eram bem tristes para ele. Queria desabafar, chorar em um ombro amigo, ou apenas jogar uma conversa fora mas... com quem? Estava ali, mais uma vez, sozinho com seus pensamentos.

Só podia conversar com seus próprios botões.

Enfiou-se nos estudos como uma fuga, algo bom por um lado; ia cada vez melhor na faculdade.

Outro problema: ser ótimo aluno era motivo de orgulho para os professores, mas causava inveja aos colegas que o tratavam como um nerd (geek nos dias de hoje), causando ainda mais afastamento.

Mesmo amadurecendo, não conseguia vencer a timidez e foi aprendendo a conviver com aquela solidão, porém a necessidade de um amigo era sempre presente.

Certo fim de tarde, passeando pela Praça Carlos Gomes, próxima à Prefeitura, encontrou-se com Billy.

Billy, jovem, molecão solto e brincalhão, nada tinha de tímido, era, para Fausto, o superlativo absoluto do antagonismo, mas havia simetria naquilo.

Houve uma empatia imediata, dava a entender que ele compreendera de imediato os problemas de Fausto e passaram a caminhar juntos.

Fausto sentiu-se tão livre e feliz que passou a falar pelos cotovelos. De Billy quase não se ouvia nada. O que seria uma conversa passou a ser um monólogo, com uma outra interrompida pelo atencioso ouvinte.

Sentaram-se em um banco, brincaram, relaxaram e se divertiram. Há muito tempo Fausto não tinha um período tão gostoso em sua vida.

Depois de umas duas horas, Fausto teve de se despedir e voltar para casa - havia prova no dia seguinte e tinha de rever algumas matérias - mas não foi sem enfatizar:

- Amanhã nos vemos por aqui. Está marcado.

Aquele encontro fortuito tinha sido bom demais, precisava ser repetido e o fato de Billy ser morador de rua teve peso zero no relacionamento entre eles, pois ele fizera muita diferença na vida daquele futuro advogado.

E assim passaram-se alguns dias e a amizade fortalecendo-se.

Porém, Billy deu uma sumida. E caiu a ficha: não sabia como achar o amigo. Onde ele passava as noites? Realmente não tinha família?

Depois de uns três dias, lá reaparece Billy. Desta vez, meio sujo, cansado e um tanto machucado.

Fausto sequer quis saber o que havia acontecido; o importante era mostrar que amizade verdadeira é pra valer. Abraçou o amigo e, condoído, levou-o para casa onde um bom banho esperava por Billy e teria os machucados tratados.

Depois disso, a amizade fortaleceu a tal ponto que Billy passou a morar com Fausto naquele pequeno apartamento, ou melhor, apertamento em que o jovem morava desde que chegara à cidade. Agora ele tinha um teto sob sua cabeça.

A solidão deu um tempo na vida de Fausto. Respirava um ar diferente, cheio de amor e alegria.

Arranjara um amigo, finalmente tinha alguém que o ouvia e o compreendia.

Passava horas desabafando e o novo amigo ali, quieto e só ouvindo, sem interromper e prestando a maior atenção. Ambos sabiam que era justamente disso que Fausto precisava. Desabafar.

Desde que passaram a morar juntos, a solidão perdeu de vez. Nunca mais houve um momento em que se sentisse sozinho, mesmo nas raras vezes em que estava só.

Sabia que Billy estava por ali, sempre pronto para o que desse e viesse.

“Eita vida boa. Por que não o encontrei antes?” Pensava, um todo feliz, Fausto.

Tudo aquilo, somado ao fato de ter a cama dividida com um amigo, era um tipo de vida novo para ele, mas... e daí? Era feliz e isso era o mais importante.

Falou do novo amigo aos pais. O pai rejeitou a ideia, não gostou, dando a desculpa de que o filho tinha de focar somente nos estudos.

A mãe foi mais compreensiva e acabou apoiando a novidade.

O jovem até melhorou na Faculdade de Direito. Passou a estudar mais e, feliz com o amigo por perto, tinha mais ânimo para enfrentar todos aqueles livros - o motivo não era mais para fugir à solidão, era outro e muito melhor.

Realmente era uma nova vida. Todas as vezes que chegava a casa, lá estava Billy esperando-o, fazendo-o rir, fazendo-o soltar-se, fazendo-o feliz.

Aquela era uma amizade baseada em um amor incondicional. Tinha ali um amigo que não se importava com sua timidez ou com o que fosse. Podia desabafar, dizer tudo a ele com confiança de que tudo morreria ali mesmo. Sua “tábua da salvação” era muito mais que um amigo.

Que mais esperar da vida?

O ânimo mudara totalmente. Só o fato de saber que ao chegar a casa seria muito bem recebido era o bastante para querer viver para sempre.

Tudo bem que o novo amigo não sorria, mas Fausto sabia que aquele abanar de cauda continha a maior das sinceridades, a maior demonstração de uma alegria verdadeira.

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