domingo, 11 de maio de 2014

O Estupro

O Estupro MAI2014Meio tarde da noite e Cecília voltava da faculdade. Como sempre, pegou o mesmo ônibus, desceu no mesmo ponto e passou a caminhar as mesmas três quadras até sua casa.

Rotina para finalizar mais um dia de trabalho e estudos.

Mas, naquele fim de dia, algo lhe despertou a atenção. No silêncio da noite, havia um som que lembrava um choro de criança ou um filhote de cachorro.

Parou, prestou atenção e notou que aquele som vinha do prédio em construção distante duas quadras de sua casa.

Preocupada com o que pudesse ser, entrou no prédio para prestar a ajuda que pudesse, se fosse o caso.

Chamou por alguém... nada. Só o choro continuava e agora ela estava certa de se tratar de uma criança.

Mais alguns passos, e viu, num clarão, um rosto malévolo e sem qualquer ar amigável.

Na sequência, acompanhada do brilho da lâmina de uma grande faca, ouviu a ordem de não fazer barulho.

Mais 20 minutos e lá estava ela. Nua, sozinha, inerte, sem ação. Havia sido usada, sodomizada, estuprada de todas as maneiras.

Reuniu forças sem saber de onde, vestiu-se como pôde e foi para casa. De lá, um pai e uma mãe, extremamente chocados levaram-na ao hospital.

A partir daí, mais sofrimento.

Delegacia, BO, IML, exame de corpo de delito, interrogatórios... sentia-se um objeto. Queria calor humano, voltar para casa e tentar esquecer tudo aquilo.

Alguns dias se passam e ela é chamada à delegacia. Haviam prendido um suspeito e precisavam saber se ela o reconheceria.

Na delegacia, antes de ela chegar, o delegado chama o escrivão:

- Paulo Roberto, quero que você ponha mais quatro indivíduos junto ao suspeito. Só para termos segurança no reconhecimento.

- Tudo bem doutor, mas temos só três pessoas aqui na delegacia. Vai faltar um.

- Pegue alguém que esteja passando na rua. Diga que é para colaborar e não vai demorar nada.

- Ok, doutor.

Quando ela chega, vê os cinco “suspeitos” por um olho mágico e, de imediato, reconhece seu algoz.

Concomitantemente, um filme passa por sua cabeça. Revê cada detalhe, todas as cenas revestidas de brutalidade pelas quais passara.

- É o número três. Tenho certeza.

- Verdade, senhorita? Arguiu o delegado.

- Sim! Respondeu enfática.

- Temos um problema. Na certa você está confusa, pois o três não passa de um transeunte que pegamos ao acaso na rua e se dispôs a colaborar.

- Como assim? Perguntou uma incrédula Cecília.

- Ele é um pai de família - continuou o delegado - sem ficha policial, trabalhador e que só aceitou um pedido nosso para que participasse do reconhecimento fazendo-se passar por um dos suspeitos.

Em seguida, virou-se ao escrivão:

- Paulo Roberto, pode dispensar o sr. Acácio com nossos agradecimentos e desculpas.

Ela não se conformava. Aquilo não poderia estar acontecendo. Era um rosto que ficara gravado em sua memória - não havia engano.

Chorou ao vê-lo indo embora.

A mãe tentava conscientizá-la do engano pois, como o delegado falara, não era possível ser aquele homem. Ela estava sendo levada por impulsos oriundos dos sofrimentos pelos quais passou e ela precisava deixar a razão tomar conta.

Cecília mantinha pé firme: - É ele!

Paranhos, um investigador das antigas, achou muito estranha toda aquela convicção da moça e, por isso, resolveu seguir o cidadão.

Ao sair da delegacia, entrou em um bar e pediu um conhaque.

Paranhos entrou logo atrás e, casualmente, parou ao lado dele no balcão.

Puxou conversa dizendo que vira a cena, que a moça só podia estar equivocada devido ao trauma etc e tal.

Com a conversa, o investigador foi adquirindo a confiança daquele homem. Acácio, por sua vez, abria-se cada vez mais.

- Também fiquei chocado com a atitude dela. Quando topei ajudar jamais pensei que isso fosse acontecer.

- Pois é. Nós também e o coitado do delegado ficou sem saber o que fazer e achou melhor dispensá-lo logo. Com certeza é fruto do trauma sofrido. Temos de entender o lado psicológico em que ela vive no momento.

- É verdade, concordou Acácio. - Mas, venhamos e convenhamos, não é meu amigo? Como uma moça entra em um prédio em construção, tarde da noite, por que acha que ouviu o choro de uma criança? Há de se tomar muito cuidado com esse tipo de coisa.

- É verdade, “meu amigo”. Respondeu Paranhos. - Mas, me diga uma coisa: como você sabe desses detalhes se lá na delegacia ninguém falou nada sobre isso?

Sorte? Destino? Não se sabe, mas a faca encontrada em poder de Acácio e o exame de DNA provaram que Cecília estava certa.

3 comentários:

Fausto Freire, via Facebook disse...

Bom, eu tinha coisa para fazer mas como não sabia se era melhor que ler o seu conto, resolvi lê-lo e conclui que foi melhor ter lido.
Gostei. Choro de criança é de ferrar qualquer um.

Luis Antonio Braga Braga, via Facebook disse...

Gostei.
Se tivesse que dar nota de 1 a 10 com certeza seria 1000, você foi muito feliz na construção do conto.
Os personagens Cecília, Acácio e o detetive Paranhos foram além de nossa imaginação.
Trata-se de um conto para ser contado nas salas de aula, em cursos de psicologia, etc...
Um conto simples mas demonstra a fragilidade do ser humano principalmente a de Cecília que foi enganada pelo coração e o Sr. Acácio que foi traído pela suas palavras.
O destino é implacável!!

Ally Cristina disse...

Sorte ou azar?? na verdade tudo está em sincronismo... e como já dizia um velho ditado: " a curiosidade matou o gato!"
Humm... Gostei muito deste conto! Um dos melhores que já li.
Bjss...