Formavam uma família feliz. Fred, Carol e a pequena Bia, de quatro anos.
Passavam os dias, os meses, os anos e aquela família cada vez mais feliz. Tudo apontava para um futuro promissor.
Os 15 anos de Bia foram comemorados em grande estilo, em um dos melhores buffets da cidade.
Mais alguns anos se passam e Fred perde o emprego. A empresa falira, deixando todos os funcionários sem nada.
A família sofre uma inversão jamais imaginada. Antes tudo eram flores e, de repente, tudo vem abaixo.
Contas, cartões, dívidas, tudo acumulando e Fred entrando em desespero. Como garantiria a sobrevivência de sua amada família?
Certo dia, andando a esmo pela cidade, depara-se com um estranho que lhe oferece uma saída mágica para os problemas dele.
- Tome esta pedrinha, você parece estar precisando. Pegue, é de graça!
O bom sujeito ensinou-lhe a fazer uso daquilo e, minutos depois, Fred estava viajando, sentindo-se muito leve.
Saiu andando sem saber para onde ir. Com sede, parou em um bar para tomar água. Acabou querendo algo mais forte e optou por uma cachaça.
Voltou para casa tarde da noite, meio bêbado. Sem graça, prometeu à Carol que aquilo não mais se repetiria. Que fora apenas um momento de fraqueza.
Adormeceu cansado e com uma dor no peito, envergonhado.
No dia seguinte iria sair em busca de emprego. Saiu de casa resoluto, embora com a certeza de que a tarefa não seria nada fácil.
Infelizmente a premissa tornara-se verdadeira. Nada!
Nova pedra, outra e outra. Novas doses de cachaça ou conhaque e Fred não era mais o mesmo.
Muito mais tarde da noite, caiu em si. Mais do que envergonhado, decidiu que não poderia voltar a casa e encarar a esposa e a filha.
Mesmo nos piores momentos não poderia sequer imaginar ser um fardo que as duas fossem obrigadas a carregar.
Ele ficou por ali, sobrevivendo a cada dia.
Carol e Bia desesperavam-se sem notícias. Onde poderia estar?
Hospitais, IML, polícia, Prontos Socorros... tudo em vão. Não havia qualquer pista dele.
Mesmo com o passar dos anos, a dor do sumiço não amainava. Viver sem saber o que havia acontecido era terrível.
Com muito custo, por causa da burocracia, Carol conseguiu vender a casa, comprou um apartamento menor e pôs as contas em dia com o que sobrara.
Passaram a viver mais comodamente. Apenas a dor da perda persistia.
As duas trabalhavam, Bia fazia faculdade à noite e, nos tempos livres, sempre deixavam espaço para a procura por Fred, um ótimo marido e pai. Aquele amigo inquestionável e precioso fazia muita falta.
- Se tivesse morrido, ao menos saberíamos dele, mas, sumido? Reclamava uma Bia chorosa.
Ignoravam que ele, uns 30 quilos mais magro, virara um zumbi na cracolândia.
Álcool e todo tipo de droga minaram-lhe a existência e acabaram com suas forças.
Uma noite, algumas freiras, ligadas a São Francisco de Assis, aproximaram-se do grupo em que Fred estava.
Enquanto a maioria distribuía sopa e pão, uma outra começou a contar uma história.
Fred identificou-se com o protagonista da história contada e viu ali uma saída para aquela vida miserável - se é que alguém pudesse chamar aquilo de vida.
Levantou-se, dirigiu-se até a freira e disse que queria mudar de vida; que precisava de ajuda.
Os meses seguintes foram determinantes. Internado em uma clínica, comeu o pão que o diabo amassou até desintoxicar-se.
De volta ao convento, passou a cuidar do jardim e da horta e, à noite, saía com as freiras para ajudar os necessitados.
Havia ali um novo Fred. Envelhecido, magricela e acabado, mas um novo ser, alguém que já começava a ver um futuro mais risonho pela frente.
Só não procurava a esposa e a filha pelo temor que tinha de ser rejeitado, afinal abandonara-as quando mais precisaram. Fora fraco e tinha vergonha disso.
Logo após o Natal, uma jovem entra no convento com o marido e a pequena filha no colo.
Haviam ido comprar alguns artesanatos para presentear uns amigos que iam encontrar antes do Ano Novo.
Fred viu a cena e uma lágrima escorreu de seus olhos - via ali a si próprio com a Carol e a pequena Bia.
A moça, ao olhar para aquele velho franzino, todo cheio de marcas que um tempo ruim havia deixado, entregou a criança ao marido e foi em direção a ele.
Parados, sem se falar, ela o abraça forte. Bem forte.
Apenas uma palavra sai de seus lábios, com muito esforço e depois de uns dez minutos abraçando aquele senhor:
- Pai!
Aquele seria um réveillon diferente. Bem diferente.
2 comentários:
Que conto bonito...
Gostei muito, muito mesmo. Consegui ver como num filme e como essa história é a de tantas pessoas, que mesmo não indo parar numa cracolândia, se deixam vencer pelo desespero, pelos problemas que parecem tão sem solução. E mais que tudo, amei o final. Que o Ano que se inicia seja de esperança, de fé e de amor, não importando o tamanho dos nossos problemas. Beijos!
Amei o final feliz! Quem dera todos eles fossem assim
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