Aos 12 anos, a mania por bonecas ainda estava arraigada.
Toda hora de folga era um tal de vestir e tirar roupinhas, montar cenários com as casinhas de boneca, comidinhas... tudo era motivo da maior diversão.
As amiguinhas também curtiam. As reuniões eram diárias e as brincadeiras rolavam até tarde.
Quando uma boneca nova era lançada, a febre era intensa. Boneca nova era sonho de consumo e status no grupo.
Depois da compra, sempre havia o batizado, a festinha com madrinhas e padrinhos muito bem vestidos para a ocasião.
Na mochila da escola, a boneca era uma presença constante, especialmente a Barbie preferida, uma espanhola chamada Cristina.
Cristina, companheira inseparável, ia todos os dias para a escola e, claro, tomava o tempo da turminha no intervalo
Era o “Clube da Boneca”, clube fechado que se isolava de todos os alunos.
Claro que também aconteciam outras brincadeiras como pular corda; passa anel; gato mia; amarelinha, mas a preferida era a brincadeira com as bonecas, as quais sempre falavam mais alto.
Em uma tarde qualquer, assistindo à TV, aconteceu.
De repente, o anúncio de uma boneca que não só falava, mas respondia às perguntas. Como aquilo era possível?
De imediato, com um olhar de súplica, voltou-se para a mãe e, antes que pudesse falar algo, a mãe, percebendo as intenções, soltou:
- Eu não posso decidir. Isso já foi combinado e, se quer mesmo essa boneca, vai ter de falar com seu pai.
Foi um balde de água gelada. Não só teria de aguentar até o início da noite, quando o pai chegasse a casa, como também havia um receio a ser vencido. O pai, certamente iria dar uma bronca por querer outra boneca.
Saiu de casa na esperança de encontrar uma das amiguinhas, para desabafar. Ninguém!
Sentou-se em um banco qualquer na pracinha e lá ficou com um ar de incerteza e ansiedade.
Um senhor, vendo aquela cena, aproximou-se, sentou-se e puxou conversa.
Muito amável, demais até, mostrou-se preocupado com aquela carinha triste.
- Que houve? Nenhuma criança pode ficar com uma carinha triste asssim.
- É por causa da Sissi. Respondeu.
- Hã? Quem é Sissi?
- Uma boneca nova que conversa com a gente. Eu quero muito, mas minha mãe disse que seu quiser, terei de pedir pro meu pai.
O senhor, muito interessado, disse que poderiam ir juntos até a loja para ver a Sissi de perto.
- Vamos lá? Talvez eu possa comprá-la para você. Meu carro está aqui perto.
Uma mistura de ingenuidade e vontade de ter a boneca fez com que acompanhasse aquele senhor simpático.
Ao aproximarem-se do carro, avistou Bia que vinha saindo da farmácia com a mãe.
Chamou-a e, ao contar a novidade e o que estava acontecendo, notou que o semblante de dona Marlene, mãe de Bia, mudara bastante.
Para ela havia ficado clara qual a intenção daquele senhor tão “simpático”.
O homem, ao notar a situação, entrou no carro e desapareceu.
A mãe de Bia tratou de esclarecer o fato. O homem, na verdade, era um pedófilo e não dava para saber quais suas reais intenções. Mas, com certeza, nada boas.
Salvação vinda aos 48 do segundo tempo.
A volta para casa foi pesada. Havia uma confusão naquela cabecinha.
Mas, foi só o pai chegar para tudo melhorar.
Bem, quase tudo. Havia ainda a questão do medo em falar sobre a boneca nova com o pai.
Mas a vontade era maior que o medo.
Depois de todos os acontecimentos narrados e o porquê explicado, o pai lhe diz:
- Venha. Sente-se aqui ao meu lado.
E, depois de uma pausa, que pareceu uma eternidade para a pobre criança, um pai ressabiado, um tanto desgostoso e lamentando muito aquela fixação por bonecas que parecia ter um destino certo que ele não queria admitir, termina:
- Você quer mesmo essa boneca? Pense bem, não prefere um carrinho ou uma bola, meu filho?
5 comentários:
Meu MANO sempre com os melhores e inesperáveis finais. A D O R E I.
Janice
Sou fã de seus contos. Esse, ótimo, se tivesse lido em algum outro lugar, com certeza diria que era seu. É todinho seu estilo.
Fausto Freire via Facebook
Pra variar o final sempre surpreende!!!
Rosangela Lima Duarte, via Facebook
Fantástico!!! Realmente surpreendente... Esse final foi inesperado!
...tadinho, tio Carlos... afinal, meninos também podem gostar de bonecas e meninas de carrinhos...kkkkkkk
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