Formavam uma família tranquila, bem unida e com os filhos criados sob uma batuta tradicional e bastante conservadora.
O pai, severo, mas bem ciente do quanto amava os filhos, mantinha atitudes sempre bem pensadas e com isso conquistara o respeito de toda a família.
A mãe, dona de casa superconsciente, possuía sua parcela de autoridade mas, mãe é mãe. Era com ela que os pequenos se abriam ou procuravam um abrigo seguro quando aprontavam demais.
Moravam no subúrbio e a vida da família era tocada na mais perfeita ordem, com todos convivendo harmoniosamente inclusive com os vizinhos. Só havia um problema a ser solucionado: o namoro da filha do meio, sabido pela mãe e escondido do pai.
Todos os dias elas conversavam a respeito, pois aquele namoro escondido não poderia continuar daquela maneira. O pai precisava saber.
Tinham de falar com ele o quanto antes. Quanto mais o tempo passava, pior ia ficando.
Numa noite de verão, chovia muito lá fora e as duas, junto com a caçula, acharam que chegara a hora daquela conversa há muito adiada.
O pai chegou a casa todo molhado e lá foram elas para recebê-lo com a maior cara de solidariedade pelo estado do coitado. Mas, algo as preocupou. Havia qualquer coisa errada ali.
O semblante do pai estava taciturno, sombrio, com um ar de quem estava muito preocupado.
Elas se calaram, com certeza não seria a hora de tocarem no assunto namoro. Esperaram alguns minutos, um silêncio que parecia perdurar para sempre, até que o pai falou:
- Vamos ter de nos mudar!
- Como?! Gritaram em uníssono.
- É, os donos da casa vão demoli-la e nós temos de sair o quanto antes.
- Assim? Do nada? Inquiriu a mãe, aflita.
- Sim querida. Amanhã mesmo vou procurar um outro lugar para nós.
A tristeza tomou conta do ambiente. Ali viveram seus primeiros dias, as crianças nasceram, foram criadas e fizeram amigos.
Ali a filha do meio começara a namorar... oops, melhor deixar o namorado de lado e não tocar mais neste assunto.
Foi uma noite terrível para todos.
Logo que amanheceu, o pai saiu em busca do novo lar, tentando fixar e acreditar nas palavras que havia dito à esposa: nosso lar é onde estivermos, não importa o lugar.
Um dia todo de buscas e nada. Voltou para casa cansado e meio que desolado.
A esposa procurou incentivá-lo da melhor maneira possível. O mundo era um lugar muito ruim com o amado abatido daquele jeito.
A casa ia ser demolida e eles já deveriam estar fora de lá.
- Maldito tempo que passa rápido demais. Reclamava o pai.
Naquele dia, tomou a decisão de pegar a primeira casa que encontrasse disponível. Não poderia esperar mais.
Acabou por achar uma não muito longe de onde moravam. Positivamente não era do agrado mas, o que fazer?
Voltou para casa tentando fazer uma cara de quem estava contente e comunicou a mudança iminente. Iminente? Não, imediata.
Por respeito, avisou que não era o ideal, que teriam de superar certos problemas, mas que poderiam ser felizes mesmo naquelas condições. Foram todos juntos conhecer o novo lar.
Ao chegarem, a esposa não se conteve:
- Que nojo!
Os filhos fizeram coro:
- Que coisa nojenta!
- Nojo é pouco!
- Argh... vou vomitar!
A primeira impressão marcou pra valer, mas não tinham opção. A mudança era inexorável.
- Querido, nós mudamos, mas, agora que temos tempo, vamos procurar algo melhor. Não dá para viver ou criar nossos filhos neste antro nojento.
- Eu sei querida, nós vamos achar algo bem melhor que isso. Algo em condições habitáveis e que dê até para receber nossos amigos – aqui é impossível.
- Eu morreria de vergonha se alguma amiga minha visse isso.
- Pois é, querida. O que podemos fazer para melhorar as coisas por aqui?
- Não sei nem por onde começar. Veja esta sala, não há um mínimo grão de poeira. A cozinha com o piso brilhando de tão limpo, nada acumulado na pia... isso é insuportável.
- É querida, você tem razão. Viu a despensa? Tudo arrumado em potes, limpo até nos cantos. É demais!
- Bem, amanhã, enquanto você procura outro lugar para nós, para acalmar as crianças, vou levá-las até o lixão. Não há como uma barata, de bom gosto como eu, criar seus filhos aqui.
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