A banda que passou, ou melhor, as bandas que passaram deixaram uma grata saudade adormecida em algum ponto deste emaranhado que é meu encéfalo. Às vezes, sonambulando, ela passa pela memória viva e minha mente acorda para curti-la mais um pouco, evitando que se esvaia de vez.
Lembro-me perfeitamente dos ensaios noturnos pelas ruas de Jacareí, naquele tempo ainda a Terra dos Biscoutos (isso mesmo, biscoutos) por causa dos salgados e doces biscoitos feitos na outrora grande e famosa Fábrica de Biscoutos de Jacareí que tinha suas latinhas azuis e jacaré desenhado vendidas até na beira da Rodovia Dutra. Hoje, uma padaria de tamanho médio, mas isso é outra história.
O Gordo, nosso instrutor gritando aqui e ali com este ou aquele, andando, suando, falando, gesticulando e se esforçando para que tudo desse certo.
E eu lá com meu surdo - bumbo para os leigos - com baquetas feitas no torno da fábrica de caixões de defunto que havia perto da minha casa.
Parece que foi ontem em que fui a um dos ensaios com uma luva industrial - uma daquelas de couro que os soldadores usam. Meu par de luvas havia sumido e girar as baquetas sem luvas era machucado na certa (até hoje guardo, no vão dos dedos, algumas marcas daquela época.
E lá veio o Gordo... “Pô meu, no dia do desfile você não vai usar isso. Não é?”
Há muitas histórias de desfiles nos 7 de setembro, aniversários da cidade, concursos e tudo o mais.
Ah sim, esta fanfarra era do CENE, colégio estadual que tinha um nome bem curtinho: Colégio e Escola Normal Estadual Doutor Francisco Gomes da Silva Prado. Certa feita, em um concurso em Guarulhos, pegamos o segundo lugar como Banda Marcial (tivemos nossa patente promovida por um engano na inscrição e quase levamos. Seria o mesmo que um peso leve ganhar de um peso pesado no boxe. Boxe? Ah não, agora é UFC).
Depois, mudamo-nos para Campinas e fui estudar no CEPAF (Colégio Estadual Professor Anibal de Freitas) e, claro, tocar na fanfarra de lá.
Não tocava mais surdo. Agora era fuzileiro (a foto que ilustra este texto é dessa época).
Meu melhor amigo lá era o Tôntoli - não Luiz Antonio como a maioria. Ele tinha de ser diferente, então, era Antonio Luiz - era não, é, afinal ele ainda vive entre nós. Cara amigo de verdade, de coração tão grande quanto seu tamanhão (nem ia falar, mas hoje ele está magrinho e eu, gordinho).
Não é que certa vez quiseram tirá-lo da fanfarra por ser muito gordo e “não ficava bem tocando fuzileiro”? Acho que ele nem ficou sabendo, mas a oposição foi imediata. Uma pessoa como ele era imprescindível para nosso bem viver e companheirismo. Amigo é amigo e ponto.
Era uma época bem legal. Quando trocamos nosso ridículo uniforme composto por calças vermelhas e camisetas azuis por uma farda digna de nossa banda foi como um feriadão. Uma grande festa.
As fotos que ilustram este texto trazem o novo uniforme. O cavalheiro de bigode na foto central, a meu lado, era o instrutor dessa banda - um dentista do qual, infelizmente, não me recordo o nome.
Acabou que, em Campinas, a banda do CEPAF era tida como uma das melhores dos colégios da região.
Era muito divertido tocar várias músicas - e era, às vezes, o “bonitão” aqui que, com um apito, comandava as trocas. Até no 7 de setembro, quando o colégio desfilava seguindo a banda era legal - podíamos apenas marcar o passo para o pessoal desfilar, uma música só e contínua, mas, mesmo assim era gostoso (adivinhem se já não levei uma bronca por mudar a música em pleno desfile, fazendo a galera se perder? Desculpei-me, era empolgação de quem gostava daquilo).
É, esta banda passou e, lamentavelmente, muitas outras bandas passaram também. Aonde foi parar o campeonato da Record em São Paulo? E o daqui de Santos, ali no final da Conselheiro Nébias, com o show da Banda do Ateneu?
Triste ver, no 7 de setembro, as escolas arrastando-se, tentando marchar ao som de um vazio silencioso em vez daquela passada viva antes ritmada pela cadência das fanfarras escolares.
Triste fim.
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